Algumas reflexões sobre livros e leitores

            O Brasil é um país de não leitores. Quantas vezes ouvimos essa afirmação? E de quem é a culpa? Elas pululam: é dos pais que não incentivam, é da TV que ocupa o tempo das crianças e as torna receptoras passivas, é dos jogos eletrônicos, muito mais instigantes, é da péssima qualidade de ensino, é do governo que não tem uma política de leitura, é dos professores que são despreparados e não gostam de ler, é das editoras que publicam livros ruins. Ufa! Quantos culpados!

            Não há espaço aqui para falar de tudo isso. Vamos refletir sobre alguns poucos pontos.

Uma vez me perguntaram se encaro como rivais dos livros infantis e juvenis todas as outras formas de comunicação que tanto atraem crianças e jovens. Não, não encaro. A TV, as histórias em quadrinhos, os jogos eletrônicos e computadorizados, os vídeos são ganhos da modernidade que vieram enriquecer as formas de comunicação. Não são inimigos do livro até porque, a meu ver, este tem um papel que dificilmente perderá, principalmente se souber se renovar e, até, utilizar destas novas formas.

Talvez a questão seja muito menos discutir possíveis rivalidades tanto nos ganhos de mercado como no gosto infantil e muito mais a qualidade da produção cultural oferecida ao público infantil e juvenil, incluindo aqui, claro, os livros. Opa! Produção cultural oferecida a quem? Porque há que se convir, muito poucos são aqueles que têm a oportunidade de chegar perto desta produção.

            Quanto à qualidade no que se refere aos livros, virou mexeu fala-se muito, e muitas vezes de forma pejorativa, da explosão do mercado de livros infanto-juvenis. Como tudo na atualidade, também o livro não está isento dos fenômenos de marketing. Tem muito livro ruim? Tem, é verdade. Mas tem livros maravilhosos, autores e ilustradores fantásticos. E não acontece a mesma coisa no mercado de livros para adultos? A boa literatura, seja ela para adultos, jovens ou crianças é aquela que faz rir e chorar, parar e pensar, viver e sonhar e muito mais. Ela satisfaz ao leitor porque lhe diz, lhe toca, faz com que elabore e reelabore suas vivências, sentimentos e conhecimentos. Os contos de fadas são um bom exemplo disso, encantando crianças e adultos do mundo inteiro. E me refiro não só aos contos de fadas tradicionais mas a todas as histórias escritas, filmadas etc., que se utilizam da mesma estrutura (alguns dos filmes de Spielberg, por exemplo, não são belíssimos contos de fadas?). Muitos estudiosos já se debruçaram sobre o assunto, muitas explicações foram dadas para o fascínio que estes contos exercem: fazem aflorar o inconsciente coletivo, resgatam os ritos de iniciação, cuja prática ou foi abandonada ou é feita de maneira formal etc. Mas não é preciso ser especialista no assunto para perceber este fascínio. Quando minhas filhas eram pequenas e toda noite me pediam que repetisse e repetisse e repetisse a história da Chapeuzinho Vermelho, sem mudar uma vírgula, minha intuição dizia que aquela repetição incessante de uma história cheia de medos e proibições, encontros, desencontros e reencontros alguma função importante estava cumprindo. E eu cumpria, incansavelmente, meu papel de leitora para elas. Que todos os pais e mães do mundo pudessem entender o papel que podem exercer simplesmente oferecendo bons livros a seus filhos, singelamente lendo para eles…

            Quanto ao acesso. Como os pais vão oferecer livros, como vão ler para seus filhos se uma boa parte, ao menos nos países do Terceiro Mundo, é analfabeta, outro tanto não gosta de ler, a maioria não tem dinheiro para comprar livros? É verdade. Essa é a realidade. E então joga-se a responsabilidade para a escola e para os professores. Estou falando, que fique claro, da escola pública, onde estuda a maioria da população. E os livros começam a chegar na escola, enviados por programas governamentais. Mas nem todas são agraciadas com este presente e boa parte das que são, não sabem o que fazer com ele, porque, descobre-se, os professores, na sua grande maioria, não gostam de ler. Assim como seus alunos, também não conviveram com livros. E o processo se repete. Não se pode esperar de pais, mães e professores que não tiveram a oportunidade de adquirir o gosto pela leitura que consigam transmitir esse gosto para seus filhos e alunos. E então voltamos para o começo ou seja, para um país de não leitores.

            Círculo vicioso? Parece. Mas no Brasil inteiro, e isto acontece de poucos anos para cá, pipocam projetos de incentivo à leitura, patrocinados tanto por organismos oficiais como por organismos não-governamentais. O que se faz ainda é um trabalho de formiguinha se se tem em mente que o Brasil é um país continental com problemas na mesma dimensão. Os resultados portanto ainda são pequenos e a visibilidade menor ainda. Mas o importante é que se descobriu que era preciso capacitar os educadores, torná-los educadores-leitores pois só assim eles terão prazer em fazer o livro chegar à criança. Educadores-leitores formando crianças-leitoras que por sua vez serão pais-leitores que por sua vez…

 

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